Quando Emicida diz “tudo é pra ontem”, ele fala, entre outras coisas, que não há como colocar o dedo na ferida sem abalar as estruturas dos privilegiados. E, principalmente, que o tempo urge quando se fala da luta antirracista.
Recebemos em uma de nossas Liveclass RP da Escola de RP a Luana Daltro, consultora e criadora de conteúdo antirracista e de temática racial, que aprofundou o papel da comunicação na criação e no reforço do racismo, a necessidade de se pensar e fazer uma comunicação antirracista.
“É preciso descolonizar o olhar, o desconforto tem que acontecer”, explicou Luana. E a comunicação tem uma importância crucial nisso tudo. Não há mais como aceitar campanhas que reforcem a pessoa negra em papel de submissão ou que explorem a mulher negra de maneira sexualizada, como no caso usado por Luana para exemplificar uma típica campanha racista, em que uma marca de cerveja apresenta a seguinte chamada: “É pelo corpo que se reconhece a mulher negra”.
E como tudo é para ontem, muitas são as demandas para construirmos uma sociedade que realmente enfrente e dissipe o racismo. “Assumir que vivemos num país racista é um ótimo passo, mas não podemos nos contentar com apenas isso”, enfatiza Luana ao falar sobre a necessidade de ações mais efetivas para se combater o racismo estrutural.
A sociedade precisa sair do ciclo vicioso, em que fomos ensinados a encarar os mais diferentes racismos com naturalidade, como algo que existe desde que o mundo é mundo e que jamais mudará. Temos que compreender que negros precisam ocupar todos os lugares, incluindo os de liderança. E na comunicação não é diferente. As equipes precisam, em primeiro lugar, ter negros para serem mais plurais e deixarem de replicar falas e atitudes que reforçam a estrutura do racismo, e, em segundo, municiar seus profissionais de conteúdos conscientes e de pensamento crítico, para que possam agir da maneira mais apropriada (e não da que melhor convém ao cliente) em momentos de crises.
E é por isso que a comunicação antirracista não pode ser confortável. Porque ela precisa provocar reflexões, causar questionamentos e colocar o dedo na ferida de independente de quem seja ou com quem esteja falando. É preciso não só rechaçar, mas tornar inadmissíveis cenas em que homens brancos são a maioria em qualquer espaço, mas principalmente no mercado de trabalho. Como bem disse a Luana em nossa Liveclass RP, não é porque machuca que não temos que promover essas reflexões.
E quando falamos em comunicação antirracista, nem os algoritmos podem escapar! Quer vir com a gente em um exercício? Escreva aí na busca “cabelo feio” ou “cabelo ruim” e dê uma olhada nas fotos que aparecem. É isso mesmo: diversas mulheres negras com cabelos crespos. Ah, também não podemos esquecer da TV. Na novela, os poucos negros que aparecem, geralmente, são todos subalternos. Campanha sobre futebol ou música? Tá liberado chamar ator negro. Campanha sobre empreendedorismo ou finanças? Só atores brancos. Por essas e muitas outras que a comunicação segue servindo para afirmar estereótipos e colaborar para que o racismo esteja nas entranhas da sociedade. Enfrentar tudo isso é um dever de todos. E não basta fazer post em rede social no Dia da Consciência Negra ou a cada vez que um caso inescrupuloso de racismo vem à tona, é preciso agir, pra ontem!